domingo, 14 de setembro de 2014

A perspectiva do rinoceronte

Esse é um meta post sobre as cores com as quais eu vejo a questão da inovação, talvez até como eu experimento o mundo.

Deixar claro a perspectiva de um autor é fundamental, pois nosso ponto de vista particular, impregna a forma como observamos e experimentamos a vida e com certeza não seria diferente quando expressamos nossa opinião sobre qualquer tema, ainda mais muito deles humanos como os que permeiam esse blog.

Fonte: http://www.funnyjunk.com/funny_pictures/3552345/Rhino+s+perspective/

Acredito que a inovação seja uma disciplina multifacetada pautada por alguns temas e características universais, são eles:


Complexidade


Inovação é complexidade. A evolução das últimas décadas social, mercadológica, tecnológica, científica é fruto do aumento da nossa capacidade coletiva de processamento de informações e aprendizado. O conjunto de propriedades de um sistema complexo é enxuto [1]: 

  • Comportamento coletivo complexo auto-organizado;
  • Envio de sinais e processamento de informações dos ambientes interno e externo;
  • Adaptam-se de acordo com o que aprendem a fim de garantir a sua sobrevivência, com isso evoluem;
O principal motivo para inovar das empresas é garantir a sua sobrevivência, isso não é possível sem a interação entre os ambientes interno e externo, bem como aprendizado e evolução em face dos resultados obtidos.

Os processos propostos para inovação nem de longe possuem o rigor necessário para que uma abordagem de controle definido seja aplicável, logo naturalmente caminhamos para o controle empírico, ciclos de feedback e a agilidade enquanto movimento cultural.

Os desafios que a complexidade confere à inovação são a coragem e disciplina necessários para viver num estado de busca constante por uma versão melhorada do que somos. Identificar pontos de melhoria implica em sermos honestos e críticos em relação as nossas falhas, simultaneamente precisamos ter paciência e ponderação para respeitar os ciclos de feedback, ou seja, almejamos nada menos do que o equilíbrio.

...mas a inovação é essencialmente humana e isso significa que temos uma aversão natural ao erro, em especial numa sociedade ulta competitiva como a nossa, na qual aprendemos desde muito cedo que falhar é provavelmente uma das piores coisas que você pode fazer na sua vida. TED Talk da Kathryn Schulz - On being wrong:



A Katrhryn Schulz nos dá ainda os subsídios para justificar outra característica humana: resistência a mudança. Para reconhecermos que é necessário mudar precisamos determinar que existe algo que pode ser melhorado, algo por assim dizer, errado. Se cultivamos uma aversão ao erro, com certeza não abraçamos mudanças. A resistência a mudança é vastamente discutida em textos administrativos, mas o resumo da ópera é que odiamos o inesperado, construímos nossas ações em cima de um conjunto estruturado de crenças e princípios suportado por nossos resultados passados. Ao mudarmos um segmento de nossas vidas nada nos garante que no mais a vida continuará a mesma e essa possibilidade de instabilidade gera medo, mesmo quando inconsciente.

Por fim, mas não menos importante, somos criaturas paradoxais. Reproduzimos as mesmas ações esperando resultados diferentes, vivemos insatisfeitos, somos inconsistentes, irracionais, emocionais e frequentemente sequer nos damos conta das nossas idiossincrasias. A inovação se beneficia do potencial criador inerente da nossa natureza, mas exige disciplina na manutenção do hábito de inovar.

Método Científico

A manutenção do hábito de inovar requer clareza de visão e objetivo. Raramente, mesmo empresas, são tão racionais quanto gostaríamos, logo a aplicação do método científico infunde racionalidade e lógica enquanto princípio na complexidade, genialidade e qualidade paradoxal dos demais ingredientes necessários para a inovação.

O método científico pode ser interpretado como componente regulador, podendo por vezes até mesmo, talvez, ser considerado como uma restrição para a liberdade de criação mais ampla, mas definitivamente é fundamental para conseguirmos realmente trafegar por esse caminho com qualquer esperança de compreendermos e aprendermos com o que estamos fazendo.

Convivemos com o mito de que a melhoria contínua e adaptação constante sejam objetivos simples. A mudança como meio de vida é dolorosa, pois implica em constante reflexão e reconhecer os nossos pontos frágeis, contudo só é possível determinar sucesso, fracasso e a necessidade de mudança quando temos claro o que desejávamos alcançar, como pretendíamos alcançar, quais as razões pelas quais o objetivo foi selecionado em primeiro lugar, ou seja, quais eram as premissas (verdadeiras e falsas) que permeavam nossa escolha e julgamento?

O conjunto de técnicas e processo do método científico é ideal para a inovação!

  • Definição de um objetivo a ser alcançado;
  • Definição de uma hipótese sobre como alcançá-lo, inclui aqui premissas e condições necessárias, bem como, preferencialmente, índices que permitam de uma forma mais rápida e simples indicar se o caminho sendo percorrido está correto;
  • Condução dos experimentos, sejam eles estudos de mercado, construção de provas de conceito, pesquisas ou trial de um processo. Precisamos angariar dados e comparar os resultados concretos com as hipóteses.
  • Durante o experimento, precisamos medir nosso desempenho frente as expectativas iniciais, é uma atividade contínua. O tempo do experimento pode ser determinado por um índice ou timeboxed, respeitando um período mínimo que julguemos necessário para que o experimento tenha gerado informações suficientes ou demonstrado seus efeitos, como por exemplo, ao testarmos um novo processo numa empresa. 
  • Ao considerarmos o experimento concluído, precisamos analisar os resultados dos dados coletados e dos índices obtidos. Sempre objetivando a geração do conhecimento, mantendo em mente que apesar de estarmos usando o método científico como base, estamos utilizando-o num contexto humano e complexo com muitas variáveis e conexões desconhecidas, logo nuances não devem ser descartadas, o desejo de trabalhar nos extremos dos espectros deve ser evitado, bem como o determinismo e nossa tendência natural de enxergar correlações onde elas não existem. Também é importante que tenhamos certeza que todas as condições iniciais necessárias foram atendidas, fizemos o que havíamos nos proposto da forma como havíamos nos proposto? 
  • Por fim, precisamos chegar a uma conclusão, tomar um decisão, continuar, matar ou pivotear? A beleza consiste no fato de que no mundo dos negócios as decisões são sempre tomadas em condições imperfeitas, nunca temos todos os dados, o viés cultural e social de onde estamos inseridos, bem como o timing do experimento pode ser determinante para que decidamos matar um projeto que em outro momento ou sociedade seria continuado. Não podemos tomar todas as decisões de inovação como se fossem a última de nossas vidas, não podemos assumir que todos os experimentos de inovação permanecem válidos após algum tempo, precisamos compreender que as decisões de inovação são indissociáveis do momento no qual a decisão foi tomada.

O método científico serve tanto ao propósito de testar as inovações em si mesmas, como o próprio processo de inovar. Cada empresa possui uma realidade e maturidade próprias a acomodar, entretanto o foco dessa abordagem é errar caminhando na direção correta, é ter clareza de visão, respeitar o componente humano, permitindo que ele seja plenamente aproveitado. Se as empresas efetivamente compreenderem que conhecimento e retenção de talentos no mundo moderno é dinheiro e poder, fica muito mais fácil pensarmos em estabelecer uma cultura corporativa que comemora o aprendizado tanto quanto o sucesso.

Nada do que foi proposto constitui tarefa simples. Empresas nasceram para ganhar dinheiro e isso também precisa ser ponderado na equação, no entanto a existência de um "fundo perdido" subsidiado por outras iniciativas mais seguras, associado à correta seleção de uma equipe de espírito empreendedor possibilita a condução da empresa à grandeza de forma mais rápida e significativa do que outras iniciativas mais "controladas" e sufocadas pela necessidade indiscutível de manter a empresa viável que permeia o dia-a-dia.

Isto posto, infelizmente nossa tendência a encontrar culpados, e cultura social, bem como corporativa, orientada a punição tolhe a inovação no berço. Ouso acreditar que o único real desafio da inovação seja cultural: genuinamente aprendermos a valorizar e aprender com nossos erros.


Referências:
[1] MITCHELL, Melaine. Complexity: A Guided Tour. Oxford University Press, 2009.
[2] SCHWABER, Ken; BEEDLE, Mike. Agile Software Development with Scrum.    Prentice Hall, 2002. 

domingo, 22 de junho de 2014

A curiosa relação entre a teoria e a prática

O autor convidado,  Fabio Tadashi oferece um contraponto à crítica sobre a morosa evolução das teorias administrativas do post "1930 - O ano que a administração empacou e por que isso nos importa.".

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Empreender, dentro ou fora da empresa, experimentando desafiar o senso comum para descobrir jeitos melhores de trabalhar, gerar riqueza e criar significado no trabalho. Afinal, quem não quer produzir mais, fazendo o que gosta e impactando positivamente a sociedade?

Essa é a busca de toda empresa. Mas encontrar um caminho sempre é mais difícil do que parece.

No post "1930 - O ano que a administração empacou e por que isso nos importa.", a Erica faz um breve histórico das teorias gerais da administração nos últimos 100 anos notando, acertadamente, que muito pouco mudou nesse tempo. De fato é de se pensar: com tantos avanços tecnológicos e mudanças importantes no comportamento das pessoas é surpreendente que as empresas sigam sendo geridas exatamente da mesma forma que há um século.

Mas será que existe uma boa razão para isso? Onde podemos encontrar pistas para essa relativa falta de mudança?

O problema das teorias

No Brasil é comum falarmos que "na prática, a teoria é outra". Se muitas vezes o ditado é usado para justificar o improviso ou a desqualificação do estudo, por outro lado existe uma certa dose de bom senso nele.

Diferente da ciência, da matemática e de outros campos do conhecimento, nos quais os modelos teóricos são testados, reproduzidos em condições controladas e colocados em prática em coisas tão reais e concretas quanto a construção de uma ponte ou a subida de um satélite, a administração segue sendo um campo de tentativa e erro.

E toda tentativa de criar modelos universais tem falhado de forma contundente.
Tome, por exemplo, o famoso método dos estudos de caso, popularizado e eternizado pela Harvard Business School. Nele, alunos se debruçam sobre histórias reais de empresas e discutem com especialistas quais a melhores decisões a se tomar em contextos hipotéticos.

A vantagem de se ter o histórico de cada caso, com a decisão tomada e as consequências, ajuda a avaliar se a solução proposta pelos alunos faz algum sentido. No entanto, críticos do modelo apontam para o fato de que reduzir um problema complexo e cheio de contexto a um estudo de caso pouco faz pela capacidade de enfrentar situações reais, com seus próprios contextos.

Muito da própria literatura de negócios tenta seguir nessa mesma direção. Phil Rozensweig, professor de estratégia do IMD e autor do livro The Halo Effect and the Eight Other Business Delusions that Deceive Managers (lançado em português sob o título "Derrubando Mitos"), comenta em seu livro a respeito da ilusão das explicações pseudocientíficas do desempenho das empresas.

Rozensweig cita dois livros muito populares, "Em Busca da Excelência" de Tom Peters e "Feitas para Durar", de Jim Collins, como exemplos de como gerações e gerações se deixaram levar por argumentos de que existe uma fórmula infalível do sucesso de uma empresa. É particularmente divertido notar que as empresas "Feitas para durar", embora ainda existam, já nem de longe tenham o mesmo desempenho que tinham, obrigando o autor a se explicar, dizendo que "os livros nunca prometeram que estas empresas seriam sempre grandes, apenas que já foram grandes.".

Aprender fazendo

Considerando a quantidade de escolas de negócio que surgem todos os anos e o volume de dinheiro movimentado por elas, é de se pensar que o debate tende a ser contaminado por todo tipo de interesse, ainda mais pela natureza instável do mundo empresarial.

No entanto, tenho a impressão de que é mais sensato não apostar em modelos universais, mas em reconhecer que o mundo é extremamente complexo e que a administração sempre será, por natureza, muito limitada na sua capacidade de explicar o mundo.

Essa é a visão de Henry Mintzberg,  Professor de gestão da Desautels Faculty of Management da McGill University em Montreal, Canada, onde leciona desde 1968. Mintzberg argumenta em seus livros que precisamos não de MBA´s, mas de Gestores. Capazes de aprender a partir da própria experiência, os conhecimento dos próprios alunos tem peso muito maior que as teorias, já que eles mesmos passaram por situações e decisões reais e que, portanto, tem condições de falar do tema e dos aprendizados.

Mintzberg também é crítico do planejamento estratégico como o conhecemos, advogando em favor de uma visão na qual a estratégia surge em qualquer nível da organização, complementando ou substituindo a estratégia tradicional por uma mais preparada para adaptar-se às condições do mercado e contexto.

Adaptar-se ao meio. Aprender com a prática real de gente que já passou por decisões difíceis. Reconhecer a influência da cultura, do viés de decisão individual, dos diferentes mercados e épocas, tudo isso me parece fazer muito mais sentido em um tempo tão turbulento quanto o nosso.

Ajustando expectativas

Considerando o tamanho do mercado de educação executiva e o tempo de consolidação de alguns paradigmas da administração, não vejo mudanças acontecendo depressa, tanto pelos muitos interesses envolvidos quanto pelo poder da inércia, que é grande.

Mas assim como as circunstâncias sempre forçaram mudanças, a teoria da administração também deverá passar por uma transformação importante, sob pena de tornar-se irrelevante. Já temos sinais disso acontecendo, com o surgimento de gigantes globais capitaneados por empreendedores completamente fora dos padrões típicos de administradores formados em escolas de negócio.

Curiosamente, estes mesmos empreendedores que revolucionam setores inteiros da economia acabam, em um momento ou outro, buscando escolas de negócio para obter conhecimento de como estruturar o crescimento de suas empresas ou CEO´s vindos de empresas tradicionais, fechando assim o ciclo.

É por isso que acredito que precisamos ter discernimento para tanto usar bem os modelos existentes quanto ter coragem para desafiá-los em busca da inovação. Afinal, talvez seja através dessa ambiguidade que surjam os próximos caminhos a serem seguidos pelas empresas inovadoras e que construirão o futuro dos negócios.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

É fácil! É só prever o futuro e conciliar um paradoxo!

Existe um aspecto sádico sobre a inovação que muitos podem chamar de "qualidade paradoxal", "bom sendo" ou "equilíbrio fino", mas que na realidade nada mais é do que a manifestação da necessidade de prever o futuro que a inovação exige de seus praticantes.

Fonte: http://alopexoninnovation.com/category/delivery-innovation-paradox/
É óbvio que não somos capazes de prever o futuro, se isso fosse possível o mercado de ações definitivamente já o teria feito, então nossa segunda melhor alternativa, no geral, é melhorarmos nossa capacidade de adaptação e identificação de tendências. Ou seja, responder rápido às mudanças e conseguir ao menos acertar mais ou menos para onde o mundo, país, mercado, sociedade, etc  está indo. Aqui a coisa começa a ficar complicada porque o timing, momento no qual tomamos a decisão ou efetivamos uma mudança, impacta demais o resultado final.

Complicando mais um pouco, precisamos diferenciar tendências de modismos, tendências possuem efeitos mais duradouro se consolidam, viram a nova realidade, modificam a norma. Modismos, são passageiros, podem ser surfados, mas possuem um timing estreito, uma janela de oportunidade pequena, e confundir um modismo com uma tendência numa empreitada de longo prazo pode ser fatal, pois longo prazo em geral implica em maiores custos. Ninguém no mundo atual demora mais tempo do que absolutamente tem quê para concluir qualquer empreitada, logo se estamos falando de longo prazo isso indica que a equalização de dinheiro, tempo e recursos é o fator impeditivo para a exploração de uma iniciativa, e consiste em si mesmo em outro ato de mágica. 

Evidentemente que existem empresas que vão muito mais longe e optam por criar tendências, neste caso temos célebres sucessos, mas um mundo de fracassos anônimos. Necessidades não verbalizadas podem não ter sido verbalizadas por um motivo (ninguém quer aquilo mesmo, ao menos não naquele momento no tempo), ou simplesmente estarem presas no paradigma corrente. Nós ainda precisamos de cédulas (dinheiro)? Precisaríamos carregar cartões: convenio médico, seguro do carro, cartão de crédito, etc num mundo que já funcionaria perfeitamente bem sem eles? Continuamos a provar nossa identidade com um pedaço de papel, quando na maior parte dos casos sem um sistema operacional e conectado não conseguimos efetuar uma operação!

Hábito!

Na sucessão de paradoxos que consiste a inovação, para que ela aconteça, dependemos do hábito. Inovar é um exercício, requer um processo. Um processo nada mais do que a sistematização e documentação de passos a serem seguidos esperando sermos capazes de reproduzir um mesmo resultado. Em processos de inovação buscamos sistematizar a busca, o olhar para o mundo, o questionamento, ao mesmo tempo que, somos obrigados a orientar o olhar, ponderar matematicamente o futuro, pontuar ideias, fazer excelentes escolhas sem todas as informações, garantindo o futuro da empresa, dos funcionários, do mundo, mas hei sem pressão, só precisamos:

  • Ter resiliência para manter a cabeça erguida mesmo em face aos muitos fracassos que iremos cometer devido ao grande desafio que estamos enfrentando, ao mesmo tempo que... precisamos ser assertivos e fazer um excelente balanceamento no portfólio de projetos da empresa a fim de garantir que os ganhos compensem as perdas e garantam o futuro.
  • Construir business cases sólidos, objetivando possibilitar um processo decisório embasado e redução dos riscos, em linha com o direcionamento estratégico da empresa, ao mesmo tempo que... devemos reduzir ao menor tempo necessário todas as etapas do processo, garantindo que só trabalho necessário e não mais do que o necessário foi realizado para a conceituação e lançamento no mercado de um novo produto ou serviço.
  • Buscar a adaptação constante ao mercado ao mesmo tempo que... compreendemos que o tempo de resposta aos produtos ou serviços pode ser maior do que o previsto e desistir de uma ideia muito cedo pode ser tão fatal quanto desistir dela muito tarde.
  • Exercer rigor no reforço das bases que garantirão a continuidade de uma empresa inovadora, na criação do hábito de inovar, ao mesmo tempo que... devemos nos manter flexíveis, constantemente supervisionando as premissas e hipóteses que pavimentaram nosso caminho até esse ponto.
Eu poderia continuar com essa lista para sempre, mas o que ela nos mostra é que a subjetividade tem um peso gigantesco na inovação e isso jamais pode ser esquecido, pois esse aspecto abre uma brecha fatal para a valorização da opinião hierárquica que como já vimos, no estado organizacional que vivemos, é mais atrasada e absurda do que propaganda de cigarro com mulher grávida.

Além disso, sistematizamos a busca e a avaliação de ideias, mas é impossível, por mais que a gente REALMENTE queira, sistematizar o sucesso. Temos uma tendência natural de olhar para o passado esperando compreender o futuro, todavia de forma mais perversa do que em outros casos, para a inovação, se agarrar demais ao passado para prever o futuro só é garantia de morte.

Tudo isso dito, o ponto é: ao se propor a inovar seja persistente, paciente e deixe claro para todos os envolvidos, que antes de tudo, o que vai acontecer de mais importante é que a empresa irá aprender. Defina metas/uma implantação progressiva condizente com o nível de maturidade da empresa em inovação e tenha muito claro o que se deseja alcançar inovando.


segunda-feira, 26 de maio de 2014

1930 - O ano que a administração empacou e por que isso nos importa.

“The fundamental problem facing all our institutions today, including government, is not related to conjunctural economic changes. It’s not a business cycle that we are going through. It’s not a cyclical change. It’s a secular change. We are at a punctuation point in human history where the industrial age and institutions have finally come to their logical conclusion. They have essentially run out of gas.”
                                                                                                                       Don Tapscott



Esse é um post que eu queria muito fazer! Ainda acho que falhei ao tentar criar uma imagem impactante o suficiente do ecossistema que nutre a nossa jornada em busca da inovação, mas a proliferação de termos, categorias, teorias somada à redução do tempo no qual a produção desse conhecimento acontece é em si mesmo impressionante.

Nosso pontapé inicial para a modernidade foi a revolução industrial, mas fica claro que a década de 70 foi determinante para a construção do mundo como o conhecemos. Foi nesse período que as teorias cortam a mudança de paradigma social (sociedade da informação), Peter Druker em 1969 cunha o termo "trabalhador do conhecimento", inicia-se a era da "empresa de marketing" [1][2] e meros 10 anos depois teríamos a geração Y (os millennials) vastamente discutidos quando falamos em administração por serem tão diferentes da geração anterior a X (não confundir geração X e Y com os conceitos da teoria de administração do McGregor). Em especial para mim foi educativo colocar tudo isso em perspectiva, numa linha do tempo, mas foi assombroso notar a estagnação das teorias administrativas, na verdade a única escola após a neoclássica que é mais consistentemente mencionada [4][5][6][7] é a contingencial, cuja definição é a que segue:
"Contingency theory is a class of behavioral theory that claims that there is no best way to organize a corporation, to lead a company, or to make decisions. Instead, the optimal course of action is contingent (dependent) upon the internal and external situation. A contingent leader effectively applies their own style of leadership to the right situation."
A teoria da contingência é de 1950, as teorias neoclássicas são de 1930. Quando eu vi isso eu pensei: "É sério que em 64 anos a gente não arranjou mais NADA pra falar sobre administração de forma sistematizada e útil para os nossos administradores?! Que nós continuamos trabalhando as pessoas com a visão de 1930!" Abaixo imagens da fábrica onde famosos estudos de Hawthorne ocorreram:

Álbum completo direto da Harvard University Library

Você se sente representado nesse cenário? Você acredita que as teorias formuladas sobre essas pessoas, trabalhando nessa época, continuam condizentes com a nossa realidade? Se não, por que ó raios são as técnicas de gestão desse período que insistimos em empregar nas empresas? É possível que estejamos sofrendo de um caso tão severo de dissonância cognitiva que alguém ainda acredite que é possível inovar com esses alicerces?

Infelizmente, academicamente, é com base nisso que continuamos formando pessoas. Eu sou formada em administração, tenho um MBA que discutiu técnicas de liderança/gestão de pessoas e nada do que vi academicamente tinha a coragem revolucionária que eu esperava, talvez erroneamente, de instituições de ensino.

Talvez o problema da administração é que ela interessa muito pouco aos empreendedores, àqueles que montam empresas, iniciam negócios, àqueles que fazem. Talvez o problema das empresas é que nunca houve um link concreto ou uma crença, de que as respostas para os problemas práticos poderiam vir do universo teórico. Não obstante, seja na prática ou na teoria continuamos buscando formas de fazer funcionar e existe muita gente bacana por aí falando sobre isso. Vou citar alguns exemplos, que eu acredito que são requerimentos básicos daqueles que desejam mudar a empresa que possuem ou trabalham, que desejam produzir um ambiente no qual a inovação não encontre barreiras e acompanhe esse nosso mundo em permanente mudança.

Niels Pflaeging:

Liderando com metas flexíveis Organize for Complexity: How to Get Life Back Into Work to Build the High-Performance Organization

Jurgen Appelo:

Management 3.0
Steve Denning, as matérias dele na Forbes fazem minha cabeça explodir! Em especial muito nos interessa uma compilação de modernas técnicas gerenciais distribuídas num compilado de excelentes livros de gestão em The Management Revolution That's Already Happening.


Por fim, mas não menos importante, o material que mais me impactou durante as minhas pesquisas, talvez pelo apelo ou semelhança com o manifesto ágil, foi o texto do Gary Hamel na HBR - Moon Shots for Management, abaixo o consolidado dos grandes desafios que precisamos conquistar para transformar a nossa realidade:



Terminamos com as palavras do Hamel:
    "To successfully address these problems, executives and experts must first admit that they’ve reached the limits of Management 1.0 the industrial age paradigm built atop the principles of standardization, specialization, hierarchy, control, and primacy of shareholder interests. They must face the fact that tomorrow’s business imperatives lie outside the performance envelope of today’s bureaucracy-infused management practices.
    Second, they must cultivate, rather than repress, their dissatisfaction with the status quo. What’s needed is a little righteous indignation.[...]"


Glossário: Sociedade IndustrialSociedade da InformaçãoBaby BoomersGeração XMillenials (ou Geração Y)Geração ZKnowledge Worker

Referências:
[1] WHITE, Steven. The evolution of marketing. 18 Jun. 2010. Acesso em: 26 Mai. 2014.
[2] STODDARD, James. Marketing: Historical Perspectives. encyclopedia.com. Acesso em: 26 Mai. 2014.
[3] HAMEL, Gary. Moon Shots for Management. Harvard Business Review,  v.  n. 87, p. 91-98, Fev. 2009. Acesso em: 26 Mai. 2014.
[4] BARNETT, Tim. Management Thought. Reference for business. Acesso em: 26 Mai. 2014.
[5] ENOCK, K. Basic management models and theories associated with motivation and leadership and be able to apply them to practical situations and problems. Health Knowledge. Acesso em: 26 Mai. 2014.
[6] MACNAMARA, Carter. Historical and Contemporary Theories of Management. Free Management Library. Acesso em: 26 Mai. 2014.
[7] OLUM, Yasin. Modern management theories and  practices. 2004. Department of Political Science and Public Administration, Makerere University, KAMPALA-Uganda. 12 Jul. 2004. Acesso em: 26  Mai. 2014.



domingo, 18 de maio de 2014

Inovação: O jogo!

Essa semana daremos um descanso nos temas mais densos e veremos um exemplo de como o processo de inovação numa empresa pode ser implementado utilizando os conceitos de gamification.

O jogo que eu desenhei foi criado pensando especificamente na evolução de produtos que sejam software e se propõe a progressivamente ir agregando camadas de "especificação" garantindo que o exercício de despender o tempo necessário e somente o necessário seja facilitado.  


O bacana de desenharmos um processo pensando num jogo é que muito naturalmente, num primeiro olhar, podemos perceber que nosso "jogo" começa com a geração de ideias e termina quando a ideia se transforma numa nova feature/produto acabado, implantado (launched).

O conteúdo do idea canvas e do business case irá variar de acordo com o tipo de inovação que estiver trafegando pelo processo. Inovações progressivas de um produto que já esteja no ar exigem menos esforço de marketing, uma vez que nosso público alvo e personas muito provavelmente já estão identificados, e um canal de feedback já está estabelecido. Produtos completamente novos, que façam a alavancagem das competências essenciais da empresa, explorem novos mercados ou modelos de negócio, também podem utilizar esse pipeline, mas o tempo que vão demorar para cumprir todas as etapas muito provavelmente será maior.

O processo de score também varia drasticamente entre esses dois cenários. A criação de um sistema de pontuação na minha opinião é fundamental para conferir imparcialidade ao julgamento das ideias. No modelo proposto todas as ideias são adotadas por um product owner, independente da origem, e é o P.O. que defende a ideia junto à diretoria. O gerente de inovação é o responsável nesse modelo pela manutenção do sistema de score e deve objetivar refletir o julgamento da diretoria, bem como drivers estratégicos na pontuação, permitindo que com o passar do tempo as próprias pessoas que desejam submeter uma ideia usem o score como indicativo da probabilidade de sua aprovação. É claro que existirão ocasiões nas quais a determinação final da diretoria poderá diferir do resultado do score, mas o gerente de inovação deve se esforçar para que isso seja raro. Acima de tudo, é importante que esteja claro ao público interno a direção na qual a empresa desenha caminhar!

Abaixo temos um quadro que deve ser utilizado junto com o jogo, contendo uma descrição macro de cada "nível" que uma ideia pode alcançar. A frequência dos eventos varia drasticamente entre empresas, todavia a geração de ideias deve ser contínua e proponho que o idea screening seja mensal a fim de estreitar a relação entre os responsáveis pelo produto, demais áreas da empresa e a comunidade. No idea screening é obrigatória a presença da equipe de produtos (visibilidade global a todos os P.O. das iniciativas que estão acontecendo), possibilitando um grande brainstorm entre essa equipe e o resto da empresa no momento de apresentação das ideias submetidas. Essa reunião deve ser leve, aberta a curiosos, desconfiados (pessoas que querem submeter uma ideia, mas não sabem se isso funciona mesmo) e pessoas que estejam com vontade de opinar. 

O sistema de score já deve começar a ser aplicado às ideias nesse momento, sempre utilizando como filtro as informações que estejam disponíveis. As ideias submetidas não devem estar detalhadas e devem ser utilizadas mais como ponto de início de debate. A sugestão, a fim de evitar ser soterrado por muitas submissões, é trabalhar dentro de um conceito de time box e se necessário, o gerente de inovação deve realizar um filtro prévio dos tópicos que parecem mais interessantes e com maior possibilidade de seleção. Infelizmente o volume não permite que sejamos tão rigorosamente objetivos como nas próximas etapas. 


Esse formato de apresentação ainda permite que com facilidade pensemos em mecanismos para premiar os participantes! Usando somente dois exemplos simples temos:
  • Ir somando pontos para a pessoa que submeteu uma ideia conforme ela vai passando de nível. Esses pontos poderiam ser trocados por prêmios;
  • Criar badges para pessoas/áreas que mais participem das reuniões de idea screening;


O propósito de premiarmos os participantes e estimularmos essa competição saudável, é engajar de forma lúdica e divertida toda a empresa na atividade de pensar nos clientes e em como tornar os produtos e serviços melhores o tempo todo, por todos. 

Naturalmente fará parte das métricas avaliadas dentro de inovação o projetado x realizado de taxa de adoção, payback, ROI entre outras métricas mais "chatas" que por estarem numa esfera mais tradicional  exploraremos em outro momento.

domingo, 11 de maio de 2014

Inovação ou Santo Graal? - Parte 1

Meu propósito hoje era comentar sobre as muitas definições de inovação e explorar minha perspectiva sobre elas, todavia, encontrei alguns artigos 1,2 que na minha opinião cobriam a questão de uma forma interessante o suficiente para expandir meu escopo!

Ao discutirmos inovação e seus muitos significados é inevitável não esbarrarmos na questão do esvaziamento da palavra 4. Evidentemente, como seres "categorizantes" 3 que somos, existe um esforço consistente em andamento para fecharmos uma definição, em especial me interessou o trabalho de DEDIU(2014) que criou uma taxonomia para a inovação na tentativa de corrigir o que ele compreende ser um problema de "innoveracy", ou seja, nossa inabilidade de identificar o que seja uma inovação é o que  torna o processo em si mesmo, "as is", difícil de reproduzir, uma vez que sequer sabemos o que estamos tentando alcançar em primeiro lugar. Particularmente entre todos estes textos, a definição que quase me agradou foi a do BERKUN (2013), com a correção aplicada abaixo:
"Innovation is significant positive change."
A qualificação da mudança precisa ser removida uma vez que, o que consiste uma mudança positiva para uns pode muito bem não ser para outros, como exemplo: pesquisas com células tronco, casamento gay, google glass, etc De qualquer forma, na maior parte das instâncias - e o texto de DANCE (2008) cita MUITAS fontes - a questão do valor, que o BERKUN (2013) tenta incorporar através do termo "positivo" é sempre frisada e foi nesse momento que eu decidi mudar o escopo do meu texto.

Valor em geral é mencionado dentro de um contexto de mercado, é conhecimento geral que a inovação científica acadêmica embora muito se beneficie de iniciativas privadas, nem sempre possui "valor", dentro deste aspecto mercantil restrito. Muitas inovações são a soma acumulada de seus predecessores "inúteis" que criaram o conhecimento que tornou possível o seu surgimento! Embora reconheçamos essa verdade num contexto social mais amplo, quando discutimos inovação aplicada ao ambiente corporativo, a única inovação válida é aquela que agrega "valor", ou seja, em termos mais brutos, aquela que dará dinheiro!

Sabendo que para a maior parte das empresas o "bottom line" é o que orienta todo o processo decisório, e se sequer conseguimos concordar sobre a mais elementar das definições sobre inovação, por qual motivo, qualquer entidade orientada estritamente pelo reproduzível, certeiro e lucrativo optaria por perseguir um caminho tão abstrato?

A iminência da morte é um dos maiores motivadores da pré-disposição para a mudança e as empresas estão sendo fagocitadas por suas contra partes mais jovens, menores, por consequência flexíveis, logo mais adaptáveis à nossa presente realidade em permanente estado de mudança (pun intended). Nada é mais libertador do que não ter absolutamente nada a perder e muitas start ups começam com esse espírito.

O quadro irônico da situação se estabelece de forma completa quando adicionamos à nossa linha de raciocínio três outras informações:
  1. Um dos pilares da inovação, quiça não seja o único que realmente importa, é estritamente humano. Mesmo usando um artigo tão antigo quanto o de ARNDT do ano de 2006, de um site conservador, sobre uma empresa como a 3M, dos sete itens da receita mágica, temos em 5 deles: comprometimento, cultura, comunicação, reconhecimento e foco no consumidor. 
  2. A quantidade de psicopatas entre CEOs, empreendedores e chefes em geral é 4 vezes superior do que a incidência na população como um todo (existem muitos estudos que corroboram esses dados, infelizmente) 7. O que basicamente significa que nossas empresas são administradas por pessoas manipulativas, incapazes de remorso ou empatia, patologicamente egocêntricas e antissociais. Qualquer semelhança com eventos da realidade não é mera coincidência**.
  3.  The Wisdom of Psychopaths: What Saints, Spies, and Serial Killers Can Teach Us About Success

  4. Socialmente continuamos a estimular a mediocridade 8:
"Todavia, o mais frequente é que a imposição da mediocridade e a perseguição da excelência continuem a ser exercidas de forma insidiosa e subtil nas sociedades democráticas, e isso desde a mais tenra infância. O indivíduo me­díocre representa uma jóia para o sistema, pois é o consumidor ideal, fácil de manipular, e não questiona a autoridade nem as normas."
Qual a mais remota possibilidade de sermos bem sucedidos ao implementarmos iniciativas inovadoras num cenário desolador como esse?

Eu acredito que existe esperança e iremos falar mais sobre esses aspectos em nossos próximos post!




** Essa é uma piada destinada a destacar a necessidade de mudança do nosso paradigma gerencial.

Referências:
1 - DANCE, Jeff. What is Innovation? 30+ definitions lead to one fresh summary. Fresh Consulting, 22 Mai. 2008. Acesso em: 11 Mai. 2014.
2 - BERKUN, Scott. The best definition of innovation. SCOTTBERKUN.com, 3 Abr. 2013. Acesso em: 11 Mai. 2014.
3 - MURPHY, Rachel. Why Are People Sexist, Racist, and Judgmental? Behind Cognitive Bias and Prejudice. The nerve blog, 16 Out. 2013. Acesso em: 11 Mai. 2014.
4 - DEDIU, Horace. Innoveracy: Misunderstanding Innovation. Asymco, 16 Abr. 2014. Acesso em: 11 Mai. 2014.
5 - O'DWYER, David. Innovation Talk: Overuse of word innovation has blurred its true meaning. Irish Times, 28 Abr. 2014. Acesso em: 11 Mai. 2014.
6 - ARNDT, Michael. 3M's Seven Pillars of Innovation. Bloomberg Businessweek, 09 Mai. 2006. Acesso em: 11 Mai. 2014.
7 - KAPOOR, Desh. Are CEOs and Entrepreneurs psychopaths? Multiple studies say “Yes”. Patheos  -Blog Drishtikone, 1 Out. 2013. Acesso em: 11 Mai. 2014.
8 - L.G.R. O ataque dos medíocres. Super Interessante, Mar. 2011. Acesso em: 11 Mai. 2014.
9 - O'BRYAN, Michael. Innovation: The Most Important and Overused Word in America. Wired, 15 Nov. 2013. Acesso em: 11 Mai. 2014.






domingo, 4 de maio de 2014

Contatos imediatos de primeiro grau

Logo após meu retorno do Agile Trends, na segunda, nós fizemos uma experiência no escritório e recebemos algumas representantes de venda direta (clientes) para testar o produto que estamos desenvolvendo para esse segmento de mercado.

Minha mente estava naquele estado de ebulição, comum após eventos, onde um milhão de ideias e melhorias percorrem sua mente, o processo de ter contato com uma comunidade que vibra na mesma sintonia que você promove uma energização que é indescritível!

A experiência que estávamos realizando estabeleceu imediatamente um link com a palestra da Diane Corrêa sobre "Agilidade na gestão de produtos digitais" na qual ela mencionou o "get out of the building", bem como o fato de que no meio dela, notícias, ainda existe o mito de que as empresas ditam aos clientes o que eles devem consumir e o que lhes interessa. Eu me indago o quanto desse mito não permeia talvez muitos outros negócios, mas vou deixar esse amplo tópico para outro post.

O "get out of the building" tinha acendido uma lâmpada de alerta na minha mente e o timing do nosso experimento não poderia ter sido melhor.

Nós fizemos uma pesquisa pequena, somente com 3 representantes, dividida em 2 segmentos: entrevista qualitativa sobre hábitos e sessão monitorada de uso do produto, eu fui uma das pessoas que entrevistou e acompanhou o uso. Desnecessário dizer que ainda temos muito o que refinar no nosso processo, mas essa primeira rodada foi, considerando o mais critico dos críticos, educativa. Eu vou dizer que minha cabeça explodiu :)

Existe a ciência intelectual do conceito de "usuário viciado" ou "heavy user", mas quando eu comecei a assistir a Maria (nome fictício) usar o sistema, o gap entre a fluência de um profissional que passou uma vida pensando em sistemas e como controlar o mundo com eles :), e uma atendente de supermercado, ou assistente de professora de primário, enfermeira, dona de casa, etc começa a ficar gritante.

A proximidade com usuários corporativos administrativos não faz jus, uma vez que eles também são à sua maneira usuários viciados, talvez menos, mas ainda assim viciados. Adicionalmente existe uma premissa oculta (ou não) em produtos de uso corporativos administrativo que não existe quando estamos desenvolvendo um produto para o mercado consumidor final: o usuário corporativo será obrigado a usar o seu produto uma vez que ele seja instalado, quer ele goste ou não, quer ele ache difícil ou não, existe um limite de resistência que ele pode exercer, mesmo nas empresas que dão mais poder ao pessoal de negócios, questões políticas resolvidas em outras esferas, vendas para executivos, ou estratégias globais de "tecnologia da informação", podem impor uma realidade dolorosa ao dia-a-dia de muita gente e isso consistentemente denigre e impede o crescimento do segmento de usabilidade como pilar na arte de construção de sistemas (ou produtos que sejam software).
Enterprise software still doesn't care about users. Its focus continues to be serving executives, rather than employees, because executives make buying decisions. Therefore, we see all the song and dance about BI and in-memory computing, while employees continue to suffer with terrible UIs and no options.1
O uso abrangente de software pelo mercado consumidor final muda o paradigma da construção de sistemas, na minha opinião de forma muito positiva, os smartphones e apps (sobre tudo e para tudo), consolidaram essa mudança. Importante notar que a mudança ocorre quando softwares saem do escopo do escritório e invadem de forma definitiva todos os aspectos da vida das pessoas, com todos os benefícios e malefícios que isso implica3. Mais uma vez a ciência de "engenharia" de sistemas segue seu curso natural histórico, sendo desenhada por necessidades, primeiro de negócios e agora de indivíduos!
The rise of tablets and smartphones also reflects a big shift in the world of technology itself. For years many of the most exciting advances in personal computing have come from the armed forces, large research centres or big businesses that focused mainly on corporate customers. Sometimes these breakthroughs found their way to consumers after being modified for mass consumption. The internet, for instance, was inspired by technology first developed by America's defence establishment.
Over the past ten years or so, however, the consumer market has become a hotbed of innovation in its own right. “The polarity has reversed in the technology industry,” claims Marc Andreessen [...] 2
Essa mudança de foco que está em andamento possui consequências monstruosas. O antes dócil usuário corporativo tenderá a cada vez mais exigir padrões de construção e interface "de mercado". O valor de uma interface amigável e fácil de usar já é um dos atributos valorizados por empresas como a Gartner quando da elaboração dos seus quadrantes mágicos (levantamento interno). Dentro do segmento de TI, uma valente vanguarda ágil cada vez mais luta para abandonar conceitos de "projetos" e "sistemas" e abraçar a perspectiva de produtos e "problem to be solved". Valores e práticas de marketing e design começam a ser incorporados no processo de construção de software, entre eles o aqui mencionado "get out of the building", medição de valor do produto pela taxa de conversão ou adoção, entre outros.

As perguntas que deixo aos donos de produtos corporativos que estejam lendo esse texto são: Sua interface é amigável? Seu produto é fácil de usar? Qual o valor dado ao design dentro da sua empresa? Como você obtém e renova seu conhecimento quantitativo e qualitativo sobre seus usuários corporativos? Caso sua UI seja antiguada você já programou ou priorizou uma renovação visual?

Minha dolorosa crença é que a maior parte dessa questões obterão retornos negativos. Meu foco nos produtos corporativos é em parte por considerá-los ligeiramente abandonados na literatura, talvez pelo conforto da posição atual na qual esse segmento se encontra, até que, uma mudança que se realizada hoje poderia seria considerada um diferencial de mercado, uma inovação, se torne um "must have". O dinheiro gasto executando a mudança será o mesmo, o timing de impressionar positivamente o usuário corporativo estará perdido.

De qualquer forma, o domínio do consumidor sobre o software enquanto produto é fato indiscutível, o consumidor final não se preocupa em ser agradado, pois ele detém todo o poder de simplesmente não utilizar seu produto e ainda criticá-lo publicamente (ouch!). Sendo assim, vivencias como minha tarde com a Maria, na qual eu descobri que homogeneidade de layout pode ser um problema, existem pontos cegos na tela, a necessidade de uma iconografia forte para a interface (morte aos textos), como a linguagem (labels na tela) podem interferir de forma decisiva na navegação, a facilidade com a qual formulários de pesquisa e inclusão podem ser confundidos, a forma como a estruturação do pensamento é orientada à entidade mais forte (principal) e não cartesianamente como na minha mente sistêmica, etc são todas lições/aprendizados de valor inestimável. Acima de tudo fiquei absolutamente fascinada com a diferença de mapa mental e como algumas coisas que pude observar jamais teria sido capaz de conjecturar.  

Referências:
1 - KRIGSMAN, Michael. Enterprise software under attack. ZDNet, 2 Nov. 2011. Acesso em: 12 Fev. 2014.
2 - Beyond the PC. The Economist, 8 Out.2011. Acesso em: 5 Mai. 2014.

Outras leituras de interesse:
3 - SARWAR, Muhammad; SOOMRO, Tariq Rahim. Impact of Smartphone’s on Society. European Journal of Scientific Research v. 98, n. 2, p. 216-226, Mar. 2013. ISSN 1450-216X. Acesso em: 05 Mai.2014.
4 - Conference Board. The Linked World: How ICT is Transforming Societies, Cultures, and Economies.Out.2011, 40 p. Acesso em: 4 Mai.2014.